O início do fim do bolsonarismo

Como a derrocada política de uma família revelou a ambição de poder acima do interesse de um País

Jair Bolsonaro entrou para a história como o primeiro presidente da Nova República a tentar a reeleição e não obter votos suficientes para continuar. À época, muitos atribuíram sua derrota ao cansaço da sociedade diante da retórica do conflito, da negligência na pandemia e da instabilidade institucional. Mas a derrota em 2022 não foi apenas um dado eleitoral: foi o primeiro sinal concreto de que o bolsonarismo, enquanto força de massa, começava a ruir. O Brasil, ainda em seu primeiro mandato, já se sentia profundamente desrepresentado por quem o governava. Foi uma recusa política em forma de voto.

O que os meses seguintes à derrota revelaram, contudo, foi ainda mais grave: o que se julgava ser apenas um movimento político conservador mostrou-se uma engrenagem autoritária, incapaz de aceitar a lógica democrática da alternância de poder. A recusa em reconhecer a legitimidade da eleição não foi um tropeço emocional, mas sim a expressão final de um projeto que nunca foi republicano. O 8 de janeiro não começou no Planalto, começou em 2018, quando a política foi sequestrada por uma lógica de clã. E o país, ainda anestesiado, não quis ver.

Aos poucos, as instituições vêm desnudando o que antes era protegido pelo verniz da popularidade. As investigações sobre a tentativa de golpe, os ataques coordenados contra o sistema eleitoral, e, mais recentemente, os embaraços diplomáticos envolvendo os Estados Unidos, em função de tratativas suspeitas para proteger membros da família Bolsonaro, demonstram que nunca houve, de fato, um projeto para o país capaz de uma reeleição no voto. O bolsonarismo se mostrou hoje, para quem ainda duvidava, um sistema de poder desenhado não para transformar o Brasil, mas para dar poder a uma família.

Nos bastidores da própria direita, o tom já mudou. Há um constrangimento crescente, inclusive, entre parlamentares do PL e de partidos aliados. O nome de Eduardo Bolsonaro, antes visto como figura de articulação com a base ideológica, hoje inspira temor e silêncio. A portas fechadas, congressistas relatam episódios de descontrole, falas paranoicas e uma radicalização que deixou até os mais fiéis atônitos. Se no início ele era o herdeiro político, agora é percebido como um fator de instabilidade extrema e um risco, inclusive, para os planos eleitorais da própria direita em 2026.

O bolsonarismo está diante do seu próprio abismo. Não apenas porque a justiça avança, mas porque o país, ao que tudo indica, já avançou. A democracia brasileira, com todas as suas imperfeições, sobreviveu ao teste mais brutal desde a redemocratização. E é nessa sobrevivência que reside a principal sentença histórica de um movimento que acreditava que chegava para ficar. Ao fim, acabou que o bolsonarismo não foi derrotado por inimigos externos, mas pela própria ausência de compromisso com o Brasil enquanto oposição. Estes, na verdade, são os que roubam da oposição o dever moral, ético, legítimo e necessário de vigilância.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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