Ditadura não é metáfora: o perigo das comparações irresponsáveis

Equiparar censura moral na TV de hoje a um regime ditatorial é desonestidade histórica e falta de respeito com quem viveu a perseguição real dentro de emissoras e jornais, com desaparecimentos e assassinatos praticados pela censura

Virou moda nas redes sociais usar a palavra “ditadura” como se fosse adereço retórico. Qualquer discordância, qualquer corte em um programa de televisão, qualquer projeto recusado agora o problema não sou eu, nem o projeto, e sim “DITADURA!”. Hoje, qualquer comentário ou trabalho que não agrade vira, de repente, “pior que o período militar”. Essa banalização é perigosa, não só pela injustiça com a memória histórica, mas pela ofensa que representa às vítimas reais da repressão. A censura moral atual, discutível e criticável dentro de um ambiente democrático, não tem nada de comparável com a estrutura sufocante e violenta que se impôs no Brasil a partir de 1964. Ou anteriormente praticada pelo coronel Filinto Muller ainda na década de 30.

Naquele período, não estávamos falando de “reclamações no Twitter” ou “opiniões cortadas”, estávamos falando de um Congresso fechado, de um Senado silenciado, de um Supremo Tribunal Federal mutilado. Havia censores oficiais dentro das redações e canais de comunicação que decidiam o que podia ou não ser publicado. Eles faziam parte das reuniões de pauta por ordem das forças armadas brasileiras. Profissionais do DOPS e do DOI-CODI frequentavam veículos de comunicação para vigiar jornalistas, intimidar repórteres e impedir que notícias chegassem ao público. E bons projetos também. Os insistentes simplesmente desapareciam ou eram encontrados mortos, alguns carbonizados. Era um Estado inteiro dedicado ao silêncio forçado.

Nomes como o Coronel Filinto Müller, que comandou a polícia política do Estado Novo e foi figura influente no endurecimento das perseguições, e o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido oficialmente como torturador, não são personagens de debates sobre “politicamente correto”: são símbolos de um aparato real de violência, que sequestrava, torturava e matava opositores. A censura não era uma “linha editorial conservadora” ou “progressista”: era a proibição física, legal e violenta de falar, escrever, cantar ou filmar qualquer coisa fora do discurso oficial era sentença real de morte sem direito a defesa ou recurso.

Quando alguém compara, por birra pessoal, a moralização de conteúdo na TV de hoje com a ditadura, está não apenas distorcendo fatos, mas também apagando a gravidade do que aconteceu. É preciso constranger esse tipo de declaração, não por vaidade intelectual, mas por dever histórico. Ignorar a diferença entre críticas públicas e um regime que usava tanques, armas, porões e agulhas que eram enfiadas abaixo das unhas como forma de delação para companheiros, para calar vozes, é uma escolha que só interessa a quem vive do caos, de um ressentimento torto, pessoal e afundado em ego e desinformação.

Censura é um tema sério demais para virar meme de rede social ou instrumento de ressentimento pessoal. A liberdade de criticar, inclusive com exageros, só existe porque vivemos em um Estado democrático. Quem usa essa liberdade para comparar injustamente tempos tão diferentes talvez não perceba o privilégio que tem, ou talvez perceba, e prefira transformá-lo em munição contra a própria verdade histórica. E isso, sim, é um desserviço à memória coletiva. É vergonhoso.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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One thought on “Ditadura não é metáfora: o perigo das comparações irresponsáveis

  1. POIS É, POR ENQUANTO A DITADURA ESTÁ EM CIMA DOS BOLSONARISTAS E OS QUE AINDA NÃO ESTÃO SENDO ATINGIDOS CONSIDERAM QUE NÃO HÁ COMPARAÇÃO COM O REGIME MILITAR. OU É MÁ-FÉ OU INGENUIDADE QUEM DIZ ISSO. TODA DITADURA COMEÇA COMENDO PELAS BEIRADAS E QUANDO O POVO ACORDA, JÁ ESTÁ AMORDAÇADO, PERSEGUIDO E TORTURADO, COMO O REGIME INSTALADO NO BRASIL NO CONLUIO STF/PT/BIDEN. PROCUREM SE INFORMAR MAIS SOBRE O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO BRASIL. SE NÃO ACHAR QUE ESTAMOS NUMA DITADURA, OLHEM PRA VENEZUELA E PARA AS INSTITUIÇÕES COOPTADAS PELO REGIME COMUNISTA CHAVISTA COM O MADURO ATUALMENTE NO PODER. ESTAMOS VIVENDO O POEMA: Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.
    E não dizemos nada.
    Na segunda noite, já não se escondem:
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.
    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho e nossa casa,
    rouba-nos a luz e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.
    E já não podemos dizer nada.

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