O uso do autismo como narrativa de conveniência ou fragilidade emocional?
Entre a frieza do Plenário e o calor da responsabilidade pública, há uma linha tênue que separa a condição de um indivíduo de uma estratégia política. Um deputado, ao invocar seu autismo para justificar sua permanência durante uma obstrução parlamentar, vestiu a dignidade de um diagnóstico como escudo de conveniência. Tecnicamente vulnerável, ele se fez incompreendido, mas a si mesmo ou à sua plateia? A diferença importa.
A ciência exatamente nos instrui sobre isso: o autismo não é sinônimo de ausência de percepção, nem tampouco de incapacidade de resposta às demandas sociais. Estudos em neurodiversidade mostram repetidamente que muitas pessoas autistas possuem rigor crítico, percepção detalhista e, sobretudo, agem com clareza quando motivadas por uma causa real. Usá-lo como desculpa serve menos ao respeito e mais à manipulação.
Além de quedas éticas, esse gesto sinaliza um problema maior: o capacitismo invertido, onde o “sou incapaz” é brandido como justificativa em favor do indefensável. É um desvio do discurso público que mina a causa da inclusão. É simples: no mundo da honestidade, a autodefesa não pode ser arma para a desresponsabilização.
Quando figuras públicas adotam a retórica da fragilidade para escapar das consequências, desvalorizam todas as batalhas legítimas travadas por pessoas neurodivergentes. E deslegitimam, ao mesmo tempo, o próprio diagnóstico que clamam usar como guarita. O autismo, nesse caso, não foi entendimento, foi muleta.
A reflexão que nos cabe não é sobre empatia, pois todos precisamos dela: mas sobre coerência com os valores que professamos. Usar um diagnóstico médico como justificativa política é ferir o pacto mínimo de honradez que se espera no exercício da representação. E isso é inaceitável, do início ao fim.
