Do púlpito ao banco dos réus

Após contagem da manifestação contra Pec da Blindagem, pastor surtou novamente com ataque de ódio e crime nas redes sociais: “canalhas da USP”.

A manifestação contra a chamada PEC da Blindagem levou milhares de brasileiros às ruas neste fim de semana, e, como de costume, os cálculos de público realizados por especialistas da Universidade de São Paulo, apoiados por aplicativos de IA que contabilizam o número de pessoas por imagens aéreas, serviram de referência para a imprensa. Incomodado com os números que contrariavam sua narrativa, o pastor Silas Malafaia recorreu às redes sociais para desferir ataques contra os profissionais da USP, chamando-os de “canalhas”. A palavra, contudo, teve um peso jurídico, que o pastor, tão conhecedor dos dispositivos da lei, acabou ignorando. O crime contra a honra.

O Código Penal, em seu artigo 139, tipifica a difamação como crime contra a honra, enquanto o Código Civil, no artigo 186, prevê a reparação por danos morais em situações de ofensa. Chamar pesquisadores de uma das universidades mais respeitadas do país de “canalhas” não é mero destempero retórico, mas a prática de um ilícito, com repercussões penais e cíveis. Ao que tudo indica, Malafaia incorreu em ambos, expondo-se a novos processos que já começam a ser preparados pelos ofendidos.

O que impressiona é a seletiva memória do pastor. Acostumado a brandir a Constituição e os códigos de lei como se fossem extensões de seu púlpito, Malafaia parece ter se esquecido de ler justamente a parte em que se criminaliza o insulto e a ofensa. O efeito imediato de sua fala foi a mobilização dos profissionais da USP, que nesta semana devem ingressar com uma ação coletiva contra o líder religioso, tanto na esfera civil quanto criminal.

Mais grave do que o episódio específico é o padrão de comportamento que ele escancara. Hoje, Silas Malafaia é mais lembrado pelas palavras de ódio, pelas ameaças e pelos xingamentos descontrolados do que por qualquer discurso de fé. Sua agressividade ultrapassou todos os limites razoáveis: trata-se de um pastor que transformou o púlpito e as redes em palanques de hostilidade, reduzindo a religião ao mero palco de sua fúria.

Seja diante de microfones, seja nas transmissões digitais, Malafaia parece não se preocupar com as consequências jurídicas de seus ataques. Ou, até mesmo, já tenha chutado o balde. Mas, desta vez, dificilmente escapará ileso. Em breve, os “canalhas da USP”, como ele desdenhosamente os chamou, estarão arrolando-o na Justiça, e o pastor terá que responder, não apenas diante da opinião pública, mas também no banco dos réus: lugar que cada vez mais se aproxima da sua trajetória.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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