São Paulo não se explica

Ausência de memória nas placas das ruas expõe um vazio ensurdecedor na maior metrópole do país

Desde que cheguei a São Paulo, tenho me permitido olhar a cidade com a curiosidade de quem descobre um novo idioma. Tudo aqui fala de pressa, de verticalidade e de grandiosidade, mas há silêncios que incomodam. Um deles se revela nas pequenas placas azuis que indicam os nomes das ruas. Elas cumprem a função prática de orientar, mas nada contam sobre o porquê daqueles nomes, nada dizem sobre as histórias que os batizaram. São nomes soltos, pairando no ar como enigmas.

No Rio de Janeiro, cada rua carrega uma memória impressa na própria placa. Não basta dizer “Rua fulano de tal”. Lá, a placa completa a apresentação: informa quem foi a figura homenageada, em que época viveu, quais feitos marcaram sua trajetória. É uma delicadeza pedagógica e cultural, que transforma cada esquina em uma aula de história, cada caminhada em um exercício de reconhecimento da própria cidade. É como se a cidade conversasse com seus habitantes, oferecendo-lhes chaves para compreender o passado e o presente.

Já em São Paulo, esse gesto parece inexistente. O nome está lá, sozinho, desprovido de contexto, como um enigma sem resposta. Para quem vem de fora, e mesmo para os que nasceram aqui, resta apenas a ignorância sobre quem foram aquelas pessoas que emprestaram seus nomes às ruas. Essa ausência não é apenas uma falha estética: é um empobrecimento cultural, um esquecimento tácito que a cidade insiste em perpetuar.

As ruas carregam memórias, mas aqui elas parecem se perder na pressa da metrópole. O paulistano atravessa avenidas, corredores de concreto, viadutos intermináveis, sem que as placas lhe devolvam a chance de se encontrar com a história que o cerca. São nomes jogados, como palavras de um livro cujo índice foi arrancado. E assim, a cidade se torna menos legível, menos íntima, menos acolhedora.

Talvez São Paulo, nesse gesto de omissão, revele um traço de sua própria identidade: uma metrópole que não explica, que não se detém em contar de onde veio, porque acredita sempre estar correndo para frente. Mas a pressa não deveria apagar a memória. Porque sem saber quem habitou antes, quem construiu os caminhos, quem mereceu ser lembrado, a cidade corre o risco de ser apenas concreto e trânsito. São Paulo merece ter seus nomes narrados, não apenas exibidos.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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