Como a Amy, minha gatinha, trouxe de volta o afeto que um dia eu esqueci que merecia
Quando a Amy chegou, há um ano e meio, ela tinha o tamanho exato da palma da minha mão, e o peso exato do que ainda me prendia ao mundo. Eu estava em um lugar escuro dentro de mim, onde os dias passavam opacos e as horas eram ruído. Não houve anúncio, nem milagre. Só uma gatinha miúda que se deitou no meu peito, ronronando como se já soubesse onde doía. Eu estava cansado de tentar explicar pra pessoas o que não tinha nome, mas bastou um olhar dela, redondo, úmido, entregue, pra que eu percebesse: talvez o que eu mais precisasse era ser amado sem necessidade de explicação, sem precisar ser útil a ninguém.
Amy não me pedia nada, embora hoje peça petisquinhos. Não cobrava que eu saísse da cama, mas comemorava cada vez que eu colocava os pés no chão. Ela não dizia “força”, mas se enroscava no meu tornozelo como quem dissesse “tô aqui”. Nunca me julgou pelos silêncios, nem pelo cansaço, nem pelas lágrimas que, vez ou outra, eu insisto em derramar sem sentido aparente. Ela só se aproximava, com aquele jeitinho dela, e encosta o focinho na minha mão. E quando eu segurava seu corpo quente, pequeno e pulsante, percebia que ainda havia vida e que ela podia, sim, caber dentro de mim. E desde então, lado a lado, lutamos aqui em casa pela felicidade.
Amy me ensinou que o amor pode ser silencioso, mas profundo. Que companhia verdadeira não precisa ser barulhenta, nem performática. Ela me esperava todos os dias na porta do quarto, mesmo que eu só tivesse ido até a cozinha. Vinha correndo ao menor sinal do ranger das chaves. Dormia no meu travesseiro, tão perto que às vezes eu acordava com o som do seu ronronar misturado à minha respiração. Com ela, entendi que presença não é sobre grandiosidade, é sobre constância. E carinho, descobri, não precisa de palavras, só de presença.
Nunca pensei que um animal tão pequeno pudesse reorganizar um coração humano. Mas foi o que aconteceu. Amy reorganizou meus afetos, minha rotina, minhas prioridades. Ela me lembrou que sou digno de ternura, mesmo nos dias em que não sou funcional, produtivo ou sociável. Ela me ensinou que o amor verdadeiro não se aproxima por interesse, não espera contrapartida, e, principalmente, não quer selfies. Com ela, aprendi que há formas de recomeçar que não envolvem grandes promessas: às vezes, tudo começa com um ronronar.
Hoje, confesso: pra me tirar da companhia da minha Amy, tem que tá valendo muito. Porque o que encontrei nela não é só afeto, é a lembrança diária de que ainda posso ser amado, e de que, mesmo nos dias mais difíceis, ainda existe uma patinha que me alcança.
