O turismo do metaverso e o dilema entre acesso e autenticidade
O mundo está cada vez mais disponível para ser explorado sem sair de casa. Com um óculos de realidade virtual, qualquer pessoa pode caminhar por Machu Picchu, assistir ao pôr do sol no deserto do Saara ou atravessar as ruas de Tóquio, tudo sem enfrentar filas, fuso horário ou gastos exorbitantes. O turismo do metaverso surge como um convite tentador: viver experiências virtuais com a precisão do planejamento real. Para milhões, especialmente aqueles com limitações físicas, financeiras ou geográficas, é a promessa de um passaporte democrático para o planeta.
Isso mexe nas estruturas de privilégio e no próprio conceito de acesso. Se antes a capacidade de conhecer o mundo era um luxo reservado a poucos, agora a tecnologia pode nivelar o jogo. A democratização do turismo virtual pode ser vista como uma vitória social, permitindo que comunidades inteiras conheçam culturas e patrimônios antes inalcançáveis. Mas, ao mesmo tempo, a linha entre inclusão e substituição é tênue e perigosa. Um direito conquistado no digital pode se transformar, inadvertidamente, numa desculpa para negar o acesso físico.
Porque existe o outro lado: a experiência virtual nunca reproduzirá, por completo, o cheiro de uma rua, a textura de uma pedra, a conversa improvisada com um morador local. A viagem física não é apenas deslocamento geográfico, é deslocamento humano, com todos os imprevistos, desconfortos e surpresas que nos transformam. O risco é que o metaverso, ao oferecer um simulacro confortável, nos leve a aceitar a perda do real como algo inevitável e, pior, suficiente.
Há ainda a questão econômica e cultural. Se o turismo real movimenta empregos, preserva tradições e sustenta famílias, o virtual concentra poder e lucro em poucas empresas de tecnologia. Ao colocar um headset, o turista do metaverso pode estar alimentando uma cadeia de concentração de renda e de controle sobre a narrativa cultural. Quem decide o que é mostrado e como é mostrado? E quem garante que a experiência virtual não será filtrada por interesses comerciais ou políticos?
O turismo do metaverso é, portanto, um convite e um aviso. Pode ser uma ponte de acesso para quem nunca pôde viajar, mas também pode se tornar um muro invisível que nos impede de sair de casa. A escolha talvez não seja entre o real e o virtual, mas entre um futuro onde o digital expande nossos horizontes ou um onde ele se torna a única janela que nos deixam abrir. E é aí que a discussão começa: até que ponto podemos aceitar que conhecer o mundo se resuma a tocá-lo com um controle na mão?
