Só eu vi a fúria de um velhinho de verde e amarelo transformar um talher em arma e um protesto em caricatura?
Dizem que o 7 de Setembro é dia de desfile, bandeira tremulando e discursos sobre liberdade. Mas o que se viu neste ano foi um espetáculo cênico digno de teatro do absurdo. No meio da rua, um senhor trajado com a já clássica blusa do Brasil, uniforme oficial do patriotismo de ocasião, decidiu que sair do restaurante com um garfo na mão era pouco. Ele precisou transformar o utensílio em símbolo de resistência, mirando contra um rapaz fantasiado de porquinho rosa que ousava performar no espaço público. Eu vi, revi, assisti, e depois assisti novamente. Eu posso afirmar: a cena é digna de uma charge que dispensa legendas.
O detalhe é que era, sim, um garfo. Mas poderia muito bem ter sido uma faca. Dois objetos pontiagudos, duas possibilidades perigosas, e uma só intenção: agredir. E como as imagens não deixam dúvidas sobre o crime, ou pelo menos a tentativa dele, de lesão corporal, fica difícil sustentar aquela velha narrativa de que todos os “patriotas” de verde e amarelo são apenas senhores pacíficos, injustiçados pelo destino e perseguidos pelo Estado após o dia 08 de janeiro. Quando o garfo se torna lança, o mito da serenidade se esfarela como farofa no prato.
É curioso observar como esses episódios parecem condensar uma contradição nacional. Enquanto uns se dedicam a defender a ideia de que o Brasil precisa de ordem, moral e bons costumes, outros, vestidos com as mesmas cores da bandeira, resolvem trocar argumentos por talheres. Acho que é mais que uma cena folclórica, mas um retrato perigoso de como a violência política encontra maneiras criativas de se expressar em plena luz do dia. Do nada. De um segundo para o outro. O garfo não foi só garfo: foi metáfora de uma agressividade disfarçada de devoção patriótica.
O rapaz de rosa, ironicamente, cumpria seu papel: provocar a reflexão pelo riso, pela performance. Já o velhinho enfurecido, de verde e amarelo, respondeu com a arma improvisada que tinha em mãos, como se a pátria dependesse daquilo para ser salva. De um garfo. É a estética da fúria contra a estética da crítica, e nesse duelo, quem perde é sempre a democracia, que se vê reduzida a uma disputa entre símbolos e agressões. A pergunta que fica é: Por que isso, meu senhor? O senhor é mais velho. Deveria dar o exemplo.
No fim, cabe perguntar: será mesmo que aqueles detidos em 8 de janeiro eram todos mansos cordeirinhos, vítimas de um Estado opressor? Ou será que muitos deles são parentes diretos do senhor do garfo, que aqui fora continua a mostrar o quão frágil é a ideia de “manifestante pacífico”? Talvez a cena grotesca nos lembre que, no Brasil, até um simples garfo vira símbolo de ódio nas mãos de ‘velhinhos pacíficos’.
