Meu experimento nas redes sociais sem palco

Plataformas como BeReal, Locket e Nocam apontam uma mudança de desejo nas relações digitais

Nos bastidores da cultura digital, fiz um movimento silencioso que vem ganhando fôlego: o acesso de comunidades anônimas, espontâneas e não monetizadas. Redes que eu pesquisei, como BeReal, Locket, Nocam e outras, que devolvem ao usuário uma experiência aparentemente mais crua, mais íntima, menos mediada por métricas de validação social. Nelas, não há likes, nem filtros, nem o palco iluminado da autopromoção: apenas um convite à partilha do momento como ele é, sem ensaio prévio.

Essa tendência, ao contrário do que parece, não é apenas uma rejeição ao Instagram ou ao TikTok, mas um reflexo mais profundo de um esgotamento. O cansaço de sermos marca, de termos que performar até no silêncio, de transformar o afeto em algoritmo. A fuga do espetáculo não é um retrocesso, mas uma reinvenção: como se, num movimento quase regressivo, estivéssemos retornando à ideia inicial de internet como espaço de conexão genuína, e não de comparação constante.

Nessa última madrugada, criei dois perfis para transitar por essas novas redes; e minha conclusão foi imediata. Olhando os usuários, de perfil em perfil, concluí que existem ali pessoas mais realistas. A ausência de opções de curtidas retirou o espelho social que nos obriga a existir apenas na medida da aprovação alheia. É o desejo de ser visto, sim, mas não medido. De estar com o outro, sem estar à mercê dele. A imagem, quando deixa de ser moeda de troca, pode voltar a ser vínculo. E isso é disruptivo, porque desconstrói o pacto narcísico que moldou toda uma geração falida dessas bolhas, que já estão virando bolhas de ódios sociais.

Mas, embora libertador, também me deparei em meio aos meus próprios paradoxos. Ao eliminar os filtros, elimina-se também o contorno, e nem todos estão prontos para essa exposição crua depois de tanto tempo. O que é “mais real” pode ser, ao mesmo tempo, mais frágil. No início, não nego: me senti vulnerável digitalmente. A promessa de autenticidade precisou ser lida com cuidado: ainda somos sujeitos moldados pelo olhar do outro, mesmo quando esse outro parece ausente. A performance apenas se deslocou de lugar, mas não desapareceu por completo.

A ascensão dessas plataformas talvez não anuncie o fim do palco, mas apenas um respiro em meio à overdose de imagem. Uma tentativa, ainda que inconsciente, de preservar algo da intimidade em tempos de transparência compulsória. No fundo, depois de transitar por essas novas comunidades, senti que não quero desaparecer, me ficou apenas o gostinho tímido de ser visto com menos barulho. Talvez eu volte, talvez não.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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