A trajetória política de Guaidó com os EUA serve como alerta ao Brasil sobre os riscos de terceirizar a soberania e subestimar a complexidade da política interna
Em 2019, Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela, com amplo apoio dos Estados Unidos e de diversos países europeus. Aos olhos da diplomacia ocidental, ele encarnava a promessa de restaurar a democracia num país marcado pela crise econômica, pelo autoritarismo de Maduro e pelo isolamento internacional. Mas a realidade política não cede ao desejo: o golpe simbólico com ajuda americana fracassou, a oposição se dividiu, Guaidó perdeu capital político e, hoje, vive nos EUA, acusado de traição, corrupção e até procurado pela Interpol. A proteção prometida pelos aliados estrangeiros não impediu sua ruína simbólica e jurídica e ele faliu como voz política.
Esse enredo revela muito sobre o chamado “intervencionismo liberal”: a crença de que instituições estrangeiras, sobretudo potências como os EUA, podem tutelar processos em países do Sul Global. No entanto, essa doutrina desconsidera as complexidades locais, os arranjos de poder e, principalmente, a soberania como pilar da legitimidade política. O caso Guaidó mostra que não basta o reconhecimento internacional para construir governabilidade. Sem raízes firmes no próprio país, toda tentativa de poder é um castelo de cartas.
O Brasil, que vive hoje uma disputa cada vez mais acirrada entre forças políticas e narrativas ideológicas, deveria observar com atenção esse episódio. Há, em certos discursos nacionais, uma tentação de buscar validação externa para projetos internos, seja no campo ambiental, militar, econômico ou institucional. Essa dependência simbólica e operacional das grandes potências não é apenas ingênua: é perigosa. O apoio externo pode ser efêmero, tático e descartável, como se mostrou no caso Guaidó, que virou motivo de piada até entre os próprios aliados.
A lição que fica não é sobre o fracasso de um homem, mas sobre a falência de um modelo de intervenção política que ignora a autodeterminação dos povos. Nenhum país, nem mesmo os EUA, pode proteger alguém contra o desgaste inevitável da ilegitimidade. A política não se sustenta com likes diplomáticos, mas com pactos reais entre sociedade e Estado. Quem ignora essa base acaba como Guaidó: exilado não só do território, mas da própria relevância histórica. Cabe ao Brasil, neste momento decisivo de sua trajetória, refletir: nossa democracia se fortalecerá por nós mesmos, ou será mais um experimento de laboratório alheio? A resposta não está em Washington, nem em Haia. Está aqui. E é urgente.
