Se o fundamentalismo religioso invade a política, a democracia sangra
É preciso afirmar sem meias-palavras: um Estado que se curva diante de qualquer dogma religioso trai sua própria essência. A laicidade não é detalhe burocrático, mas fundamento civilizatório. O pacto republicano só se sustenta quando a lei é escrita para todos, não para agradar aos deuses de alguns. Quando os púlpitos ocupam as cadeiras do poder, o que se instala não é justiça, mas teocracia disfarçada, e o resultado sempre é exclusão, censura e violência legitimada.
A história recente mostra que o casamento entre religião e governo é sempre tóxico. O Irã, onde o regime teocrático sufoca direitos básicos, é exemplo de como a fé convertida em lei se torna cárcere. Nos Estados Unidos, a cruzada fundamentalista também revelou que a democracia mais celebrada do mundo não está imune à manipulação religiosa. O Talibã no Afeganistão, transformando fé em tirania contra mulheres, prova que o fanatismo não conhece fronteiras.
O Brasil, por sua vez, precisa olhar para esses espelhos com assombro. A infiltração crescente de discursos religiosos no Congresso, disfarçados de moralidade, ameaça a neutralidade do Estado. Quando líderes se arrogam porta-vozes da vontade divina para catequizar votos, minam o pluralismo e reduzem o cidadão a súdito de um credo que não escolheu. Não se trata de atacar a fé, mas de impedir que ela determine políticas públicas em um país marcado pela diversidade cultural e espiritual em meio a uma pluralidade de religiões.
Defender o Estado laico não é antagonizar a religião, mas proteger a própria democracia. É assegurar que o espaço público seja governado pela razão e pelo pacto social, de forma pragmática e não por “revelações” divinas e particulares. É garantir que a lei pertença à coletividade e não seja moldada por pressões de templos ou altares. Laicidade é sinônimo de liberdade, e abrir mão dela é condenar a sociedade à servidão de uma ortodoxia.
Diante do avanço do fundamentalismo político-religioso, é urgente um freio. A democracia não sobrevive quando a fé se confunde com política, porque a religião pede submissão, e a política requer debate. Onde o dogma reina, a divergência é crime; onde o argumento é substituído pela crença, a pólis se dissolve. Que não nos enganemos: só um Estado rigorosamente laico pode assegurar a dignidade de todos, inclusive dos que creem.
