Entre o que nos engole e o que nos alivia, existe a arte de calar o amargo e soltar no ar só o que vale a pena respirar
Em 2022, perdi um dos meus melhores amigos para Covid-19. Ele morava no meu prédio, no Rio, e a gente pegava piscina e conversava toda noite, fizesse chuva ou sol. Ivo tinha 76 anos quando nossa amizade estava no auge. Justamente quando veio a notícia que meu amigo havia enfartado. Eu me mudei. Não consegui mais ficar naquele prédio sem meu amigo. Mas, antes que seu coração parasse de bater de tanto fazer o bem, Ivo me deixou uma lição. Era o alerta predileto dele: “nessa vida, precisamos engolir sapos e assoprar borboletas”. São 05:28 am. Essa noite não dormi. Não consegui me desconectar do Ivo um minuto sequer. Fiquei lembrando do meu amigo numa insônia inquietante. Melhor escrever, melhor colocar pra fora, como ele mesmo me orientava a fazer.
Sabe, nem todo silêncio é omissão. Às vezes, é técnica de sobrevivência. Porque há dias em que a única coisa que se pode fazer é engolir o sapo inteiro. Meu amigo estava certo. O que eu aprendi depois da sua partida, meu amigo, é que ainda precisamos engolir o sapo com casca, baba, pernas inquietas e tudo. Talvez, você gostasse tanto de mim, que me poupou dessa parte. Mas eu aprendi! Engole-se porque se está cansado. Porque é madrugada. Porque discutir com quem não escuta é só mais uma forma de se esvaziar. Mas engolir não é esquecer.
No fundo, todo sapo que se engole fermenta. Vira um peso, uma pausa, um acúmulo. E é aí que nasce o outro movimento: assoprar borboletas. Para não intoxicar o mundo com a mágoa que ficou. Para não responder na mesma moeda da grosseria, da indiferença ou da palavra atravessada. Assoprar borboletas é o jeito mais bonito de dizer que você não se tornou aquilo que te feriu.
Não é fácil. Porque o instinto grita, o orgulho reage e a vontade de devolver na mesma medida parece quase justa. Mas existe uma sabedoria silenciosa em quem escolhe a delicadeza, mesmo quando a noite anterior terminou com uma ferida não dita. Às vezes, o mais corajoso não é quem confronta, mas quem recolhe. Quem decide que sua dignidade não cabe na briga alheia.
Talvez por isso, agora, as 6h04, eu esteja acordado desde as 21h de ontem. Não pelo que ouvi, mas pelo que engoli. E ainda assim, hoje, o que eu escolho soltar no ar são borboletas. Porque o sapo fica comigo, sim. Mas a leveza, essa eu ainda quero espalhar. Obrigado pelo tempo de amizade neste plano, Ivo!