A forma da perda de mandato de Eduardo Bolsonaro, apenas por faltas, expõe vícios constitucionais que garantem salvo condutos para uma falsa sensação de Justiça
A decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de cassar o mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por excesso de faltas às sessões legislativas é, à primeira vista, um gesto de sanção institucional e de respeito às regras regimentais internas da Casa. O artigo 55 da Constituição Federal é claro ao prever a perda do mandato de parlamentar que faltar a mais de um terço das sessões sem justificativa adequada e o deputado ultrapassou esse limite de forma flagrante enquanto residia nos Estados Unidos, longe do exercício efetivo de suas funções públicas.
No entanto, do ponto de vista do direito constitucional, a cassação administrativa por faltas, embora juridicamente formalizada, revela um problema estrutural: ela isola a punição à irregularidade regimental, dispensando um juízo mais amplo sobre a conduta política que tornou o mandato virtualmente inexistente. Trabalhar pela imposição de sanções econômicas contra o próprio país. Ao tratar essa abdicação de função como uma simples operação burocrática, a Câmara legitima uma lógica de responsabilização superficial que não alcança as implicações de um mandato exercido à distância e em conluio com interesses estrangeiros.
Eduardo Bolsonaro, enquanto deputado, usou seu tempo e seu gabinete para articular pressões políticas que transcendem a simples participação legislativa: sua atuação internacional tinha o propósito explícito de influenciar decisões judiciais brasileiras e interferir em processos do próprio país. Por isso, a manutenção de seus direitos políticos após a cassação, conforme explicitado pela legislação que diferencia perda de mandato de inelegibilidade, soa como uma brecha normativa que protege agentes políticos que, na prática, conspiraram contra o Estado e sua ordem constitucional.
O número de faltas foi consequência, não o motivo das faltas, que é o objeto que deveria ser a questão. A dissociação entre a penalidade administrativa e a responsabilização política mais profunda permite que figuras como Eduardo Bolsonaro sigam impunes. Ao final, a cassação de hoje se converte em um símbolo paradoxal: ao mesmo tempo em que a Câmara cumpre um dever regimental, ela falha em responder de maneira proporcional e substancial às ameaças concretas representadas pela conduta política de quem se afastou deliberadamente do mandato para operar em zonas externas ao interesse público. A justiça formal da cassação por faltas, portanto, não desativa a crítica mais profunda: o sistema político-jurídico brasileiro ainda não está equipado para coibir, de maneira robusta, a captura institucional por atores que colocam em risco não apenas o decoro parlamentar, mas a integridade do próprio pacto democrático.
