Em uma manobra que ameaça a justiça e exalta o cinismo, a Câmara avança com a “PEC da Blindagem” para legitimar comarcas coniventes como palco de seus delitos. E se autorizarem as investigações…
Assisto, estupefato, ao ensaio cínico, como há muito tempo não se via, que se desenrola no plenário da Câmara: a chamada “PEC da Blindagem”, que propõe submeter parlamentares à tutela do próprio Legislativo antes de qualquer investigação pelo Supremo Tribunal Federal. Essa tentativa, lúcida em sua arte da obstrução, revela à luz crua que agora o Congresso busca oficializar seu refúgio privilegiado e induzir o Judiciário a uma complacência regionalizada.
A coreografia se intensifica com a pauta na cara do gol. O recado está claro: o Congresso repudia a legitimidade do STF e anseia enterrar seus crimes nos seus pleitos eleitorais, as “comarcas” sabidamente permeáveis, as cidades onde nasceram e se elegeram. É ali que os engravatados desejam colocar os processos que eventualmente lhes atinjam.
A interpretação política me parece tão familiar… Trata-se de uma antessala do cárcere. Uma antessala da impunidade forjada estrategicamente. Jurisdicionalidades locais, marcadas por lentidão e capilaridade clientelista, suspenderão a responsabilidade, prolongarão o julgamento, e permitirão que a prescrição se encarregue de absolver seus aliados.
Ainda que se sustente o discurso de “resguardar prerrogativas” do Legislativo, a argumentação é mera palhaçada. O ministro Gilmar Mendes classificou essa proposta como pura aberração, um “casuísmo” que, ao deslocar o foro, subverte toda a tradição jurídica e ameaça criar um regime de exceção legal. Não por acaso: um ato de autoimunidade institucional, cujo efeito prático é blindar parlamentares de investigações, investiduras éticas e, por fim, da justiça.
Hoje, o Brasil assiste atônito tantos dos seus representantes, da mesa da Câmara às bases partidárias, enredados nesta lama de impunidade. O Congresso, há tanto suposto guardião da democracia, parece agora se debruçar sobre o próprio pântano. Resta aos cidadãos, e ao espírito republicano mais resiliente, resistir com o rigor que cabe, enquanto a casa legislativa acena, sem pudor, que pretende colocar-se além da lei. É uma vergonha descarada!
