Chego na metade do mapa da minha vida, muito longe ainda da metade dos meus desejos

Meu aniversário, meia-idade e a estranha sensação de que estou vivendo muito menos do que prometi quando era jovem…

Chego a este mês como quem abre a gaveta de um mapa antigo e percebe que a maior parte das rotas permanece em branco. Faço aniversário neste setembro, próximo dia 28, e me pego agora com a sensação insolente (insolente mesmo) de que não vivi sequer três por cento do que imaginara. Não por falta de esforço, mas por aquela apreensão difusa que transforma planos em esboços e dias em rascunhos. Há algo de triste e também de comovente nesse inventário: a lista do não vivido que insiste em existir, mesmo quando a vida aparentemente já nos ofereceu tantas paisagens. É normal sentir isso?

Pergunto-me se isso é exclusivo da minha inquietação ou se há uma fraternidade secreta de pessoas que chegam à metade do caminho com a mesma angústia gentil. Meus livros e os meus pequenos aforismos que guardo debaixo do meu travesseiro, sempre me lembra que o tempo não é só uma sequência, mas um tecido de escolhas; contudo, a teoria raramente apazigua o peito. Será que todos nós, em silêncio, sentimos que o viver efetivo é um território menor do que o imaginado e que o resto é promessa por cumprir?

As relações, as viagens, as amizades, as novas amizades, as conversas que atravessam noites e cafés: tudo isso reclama uma coragem diferente da que usamos para cumprir prazos e atender reuniões. Há um tipo de experiência que não se marca em calendário corporativo e, ainda assim, define a espessura de uma existência. Não sei exatamente do que eu preciso, se me fizessem hoje essa pergunta: um rosto ouvido com atenção? Uma viagem que deixa mais perguntas do que fotos? Uma conversa que nos muda sem alarde? Não é desprezo por tudo o que a vida me deu até hoje, longe disso!! Eu não sei mesmo definir… Seria tipo uma vontade de que algumas horas sejam destinadas eterna e diariamente ao risco de uma surpresa.

Sei bem como essas confissões soam perigosas num ambiente de olho apressado: não é um manifesto de insatisfação, nem um bilhete deixado em gaveta para alguns que vão ler inquietos e nem entenderão. É simplesmente a constatação tímida de quem faz aniversário este mês, estava reflexivo sobre isso, e quer viver com mais um sei lá do que, com qualquer coisa que ainda não temos, e nem sabemos se teremos.

Há uma delicadeza a preservar aqui no meu Instagram: não queria que uma linha minha parecesse uma fuga, mas uma oferta de partilhas. E, se este texto encontra alguém que também guarda essa sensação, ou apenas marca uma presença que lê com atenção, que ele sirva para tudo, ou para nada. Não ao espetáculo, mas à hipótese. Aniversário é pretexto; sonhos não. Enfim, apenas uma alma aqui chegando à metade da vida, ainda em adaptação à carne.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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