O tiro contra um entregador expõe a falência social e exige do Estado uma resposta imediata, sem concessões, antes de 24 horas
O disparo que atingiu um entregador na perna, a queima-roupa, porque se recusou a subir até o apartamento de um cliente, não é um acidente urbano: é a dissolução explícita do que podemos encarar como social. O endereço do agressor está registrado no próprio aplicativo, à vista de todos, como um mapa do crime. E, no entanto, em menos de vinte e quatro horas, esse homem ainda não foi privado de liberdade. O atraso na prisão não é apenas falha do sistema; é sintoma de um Estado que vacila diante do inegociável.
É preciso deixar claro que a primeira função do Estado é garantir a integridade física dos cidadãos. Quando alguém dispara uma arma contra outro por mero capricho, rompe-se não só a lei, mas a confiança mínima que nos permite coexistir. Hobbes escreveu que fora do pacto o que resta é a guerra de todos contra todos; e foi exatamente essa paisagem hobbesiana que vimos renascer no gesto covarde contra o trabalhador desarmado. Um tiro, neste caso, não é só um crime: é um rasgo na própria ideia de sociedade.
Não há como aceitar relativismos diante de um ato tão brutal. O agressor não pode ser tratado como réu de rotina, que passará por uma audiência de custódia com chances de liberdade. A vida coletiva não suporta esse risco. O cárcere, aqui, não é mero castigo: é um recurso de defesa da ordem civilizatória. Manter um homem assim em circulação é expor qualquer trabalhador ao mesmo destino, como se a violência fosse apenas mais uma variável da rotina urbana.
É comum que se invoque o devido processo legal, e com razão. Mas confundir garantias constitucionais com permissividade é um erro fatal. O direito à vida não se equilibra com a liberdade de atirar em alguém por uma birra. O entregador alvejado poderia estar morto, e só a sorte impediu que o disparo se tornasse homicídio consumado. A linha entre tentativa e assassinato é tênue demais para que se contemple complacência. A indulgência, aqui, não é defesa da democracia: é cumplicidade com a barbárie.
Por isso, não cabe hesitação. Quem usa a violência como idioma para resolver contrariedades não pode retornar ao convívio social como se nada tivesse acontecido. O isolamento desse homem, por tempo indeterminado, é a reafirmação de que a democracia ainda se defende, de que a vida não é moeda de barganha e de que o espaço público não pode ser refém de impulsos homicidas. Punir com rigor não é vingança: é a única forma de sustentar a fronteira entre civilização e caos.
