A troco de tudo e de todos: a ambição de poder familiar que a Direita insiste em não ver

Sem nenhum estofo e condições, a candidatura de Flávio Bolsonaro expõe que o projeto bolsonarista nunca foi um projeto de país, mas um projeto de família. E nada ameaça mais a própria direita brasileira do que um clã que se comporta como senhores absolutos de um feudo, minando tudo e todos

A candidatura de Flávio Bolsonaro é mais do que uma movimentação eleitoral: é um diagnóstico cristalino, quase didático, do que a família Bolsonaro deseja construir no Brasil. Refletindo essa manhã sobre o tema a partir das manchetes dos jornais, encontrei um vocabulário exato para isso: personalismo, patrimonialismo e feudalização da política. Em regimes personalistas, o líder não representa uma ideia; ele é a ideia. O projeto não é programático, é biográfico. Por isso, quem insiste em tratar o bolsonarismo como corrente de direita com projeto nacional está cometendo um erro analítico grave: o bolsonarismo não é uma força conservadora: é uma força dinástica. A força conservadora já está na própria direita, desde sempre.

A direita brasileira precisa entender um princípio básico: quando uma família concentra poder, proximidade, recursos, prestígio político, base ideológica e máquina de comunicação, ela não está participando de um jogo democrático, está construindo um feudo. A candidatura de Flávio é a confirmação empírica desse modelo. As posições não são distribuídas por competência, por mérito, por capital político ou por visão programática: são distribuídas por sangue. É assim que funciona o feudalismo: hereditariedade, não representatividade. E quando um campo político aceita isso como normal, ele assina sua própria sentença de irrelevância.

Uma direita forte precisa de pluralidade interna, de competição de ideias, de líderes capazes de dialogar com diferentes setores da sociedade. Mas, sob a hegemonia do clã Bolsonaro, não existe ecosistema, existe monocultura. E monoculturas, na política como na biologia, são frágeis, vulneráveis e incapazes de produzir inovação. A direita que se submete à lógica dinástica perde densidade intelectual, perde diversidade e, finalmente, perde a capacidade de disputar poder real. O bolsonarismo mata a direita por asfixia.

Ao insistir que o próximo passo da direita deve passar, obrigatoriamente, por um Bolsonaro, qualquer Bolsonaro, pouco importa qual, essa ala política revela o quanto se tornou dependente, quase vassala, de uma família que não tem compromisso com ideologia alguma. Tem compromisso consigo mesma. A ciência política chama isso de patrimonialismo: quando a coisa pública vira extensão da casa, da família, do sobrenome. E patrimonialismo é tudo o que uma direita moderna deveria combater, não idolatrar.

A candidatura de Flávio Bolsonaro, na minha humilde opinião, e que nem todos vão e pareciam concordar, é um recado definitivo. Ou a direita rompe com a lógica feudal que adotou como muleta, ou continuará serva de uma família que não quer construir um país, quer construir um reinado. A pergunta que resta é simples: a direita brasileira quer ser movimento político ou quer ser corte? Porque, se continuar ajoelhada, continuará perdendo força.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

LEIA MAIS

Poder de Alcolumbre fecha os ouvidos para o Brasil

Banco Master: imparcialidade sob custódia no STF

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *