A farsa da guerra: o fracasso político por trás da chacina no Rio

Cláudio Castro transforma a ausência de projeto em espetáculo de sangue e expõe o esgotamento da política de segurança baseada na força

Assistimos à deflagração da operação mais letal dos últimos 15 anos no estado. Confronto intenso nos Complexos do Alemão e da Penha, drones e bloqueios de vias, mobilizando cerca de 2,5 mil agentes. Pelo menos 64 mortos, entre eles quatro policiais, e 81 presos

Se à primeira vista a mobilização pode parecer uma demonstração de firmeza, o que emerge com nitidez ao analisar o cenário político é um grave padrão de contradição e improviso. Cláudio Castro aproveitou o momento para criticar o governo federal, alegando que o Rio “está sozinho” e sem apoio, porém o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu: afirmou que não recebeu nenhum pedido formal do governador para auxiliar na operação

Vale revisitar pronunciamentos recentes de Castro para mensurar a distância entre discurso e prática. Em março, ele disse ao Metrópoles: “Eu não preciso que ninguém entre com polícia nova no Rio. A minha polícia está estruturada.” Esse posicionamento, reiterado em entrevistas posteriores, colide frontalmente com o atual desempenho do governo estadual, que recorre a operações de alto impacto com resultados trágicos como resposta imediata à escalada da criminalidade. Se a polícia “já está estruturada”, por que tanta fatalidade e destruição?

Também pesa o histórico recente de Castro em relação a projetos estruturantes de segurança. Ele foi voto contrário à PEC da Segurança Pública, proposta que visava articular as esferas federal, estadual e municipal, fortalecer sistema de inteligência compartilhada e adequar normas para enfrentar facções com mais efetividade.  Em vez disso, na prática, até hoje ele defendeu que as operações militares fossem a solução isolada, um caminho arriscado e impiedoso diante de territórios densos e vulneráveis.

Não se trata de negar que mandados de prisão devam ser cumpridos, nem de desacreditar a necessidade de ação policial. O problema reside no modo: executar 91 mandados de uma só vez, numa mesma região, com aparato bélico e sem que o cidadão comum seja preservado ou saiba, de alguma forma, que ficará sob fogo cruzado, é promover um espetáculo de força disfarçado de justiça.

A história das pacificações no Rio mostra que políticas de segurança baseadas exclusivamente no emprego fardado fracassam por omissão cultural, social e estrutural. Quando se combate o crime sem investir em cultura, lazer, escolas, transporte digno e geração de renda, substitui-se o vazio nas favelas por células armadas e, periodicamente, reaparece a guerra.

Este episódio de hoje não é apenas uma operação policial: é um retrato doloroso da ausência de estratégia de Estado. A militarização pontual, sem rede de apoio federal, sem política de prevenção e com dogmas contraditórios, tende ao desastre crônico. As mortes, infinitamente mais danosas que apreensões de armas, clamam por uma nova abordagem: não de pirotecnia midiática, mas de reforma estrutural e cooperação real entre governos.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

LEIA MAIS

Quem carrega o peso do preconceito?

Se a infância é na ‘bolha de princesa’, o coração insiste no erro até a vida ensinar pela dor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *