A cor do diploma não é o seu problema

Racismo disfarçado de “exigência acadêmica” é apenas isso: racismo. E pior, ignorante, porque os dados desmentem o preconceito de forma humilhante.

“Eu não vou a médicos pretos, porque sei que entraram por cota.” A frase, dita com soberba em um dos ambientes da Casa Cor, viralizou. E não é só grotesca pelo conteúdo racista, é burra. Parte de uma ignorância histórica e estatística que precisa ser desmontada com fatos, não só com indignação moral. Porque o Brasil que negou acesso à universidade para a população negra por séculos agora assiste à ascensão desses profissionais com excelência, e não com favores.

As cotas raciais não “baixaram a régua” das universidades. Pelo contrário, corrigiram distorções profundas. E os dados mostram que os estudantes negros e cotistas em geral, uma vez dentro da universidade, têm desempenho igual ou superior aos não cotistas, especialmente em cursos como medicina. Por quê? Porque lutaram mais para estar ali. Porque enfrentaram o estudo com desvantagens gritantes e ainda assim se formaram. E porque, ao contrário de muitos, sabem que a universidade não é um direito hereditário.

É curioso, ou desmascarador, que o incômodo não seja com médicos incompetentes, mas com médicos pretos. Não se pergunta onde estudou, qual a especialização, qual o histórico acadêmico. Pergunta-se a cor da pele e se entrou pelo sistema de cotas. E se pressupõe inferioridade. Esse não é um discurso de “zelo pela qualidade do atendimento”, é uma tentativa de rebaixar socialmente quem ascendeu por mérito e esforço num país que fez de tudo para impedir essa trajetória.

Essa mulher, com toda sua sofisticação estética e ignorância estrutural, acha que está emitindo uma opinião polêmica. Mas está apenas repetindo, em alto e bom som, o que muita gente ainda pensa em silêncio: que o lugar de excelência não é para todos. Mas, para seu desgosto, ele é. Médicos pretos existem, e que entraram nas universidades sim, pela lei de cotas. Eles atendem, salvam vidas e provam diariamente que o racismo é uma doença sem cura, mas com muito dado para ser exposto. Dados suficientes para que racistas sejam expostos, desmascarados, indiciados e condenados.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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