O espírito das cartas de Paulo e a urgência de um diálogo sem ódio
Nas cartas de Paulo, há mais do que teologia: há um método. Entre argumentos e exortações, ele sabia falar aos que discordavam sem perder o amor por aqueles a quem se dirigia. Não era um punho fechado, mas uma mão estendida. Até quando confrontava erros graves, sua retórica vinha embebida na paciência de quem via no outro não apenas um opositor, mas uma alma a ser conquistada. Jesus, por sua vez, foi ainda mais radical: discutia com fariseus, respondia a armadilhas e desafiava autoridades, mas sem permitir que a verdade se transformasse em arma de destruição pessoal.
Hoje, no entanto, o espaço público parece ter desaprendido essa lição. Tudo é combate. É o debate pela vitória, não pela reconciliação; a palavra usada como espada que corta vínculos em vez de como bisturi que cura. E isso não se restringe ao púlpito ou ao auditório de conferências religiosas: tornou-se linguagem corrente nas redes, onde o “vencer” importa mais do que o “construir”. A gente se pega o tempo reproduzindo isso sem perceber. Aí, quando a gente reflete melhor, lembramos que, para Paulo, a meta nunca foi provar que tinha razão, mas que Cristo fosse conhecido.
É impossível ignorar. Palavras carregadas de hostilidade acionam no outro mecanismos de defesa, não de abertura. Jesus sabia disso quando, diante de perguntas capciosas, devolvia com histórias, metáforas e silêncios estratégicos. Paulo aplicava a mesma habilidade em contextos diversos, de sinagogas hostis a tribunais romanos. Não se tratava de fraqueza, mas de força controlada, de domínio próprio capaz de transformar um embate em convite.
O desafio para a igreja que existe dentro de nós é resgatar esse espírito. Não se trata de diluir a verdade, mas de temperá-la com mansidão, como quem oferece alimento e não veneno. É preciso compreender que convencer alguém pela humilhação é construir sobre areia: cedo ou tarde, a estrutura cai. O diálogo, como Paulo e Jesus mostraram, precisa de alicerces firmes, mas também de colunas que sustentem a dignidade de quem ouve.
É hora de redescobrir que o amor é a moldura de toda verdade. Qualquer opinião política virou arena para gladiadores verbais, um espaço onde a razão e a compaixão não se encontram mais. E talvez, nesse reencontro, possamos finalmente falar sem ódio e ouvir sem medo, como quem entende que a maior vitória não é derrubar o outro, mas caminhar com ele até a verdade.
