Parlamentares ainda cogitam, diante deste dado alarmante, travar o Congresso de um País com mais de 200 milhões de habitantes por interesses próprios e políticos
O Congresso Nacional atravessa uma crise de legitimidade que já não se esconde nos corredores nem nos discursos: ela está agora impressa em números. Segundo o Datafolha, 78% dos brasileiros acreditam que deputados e senadores legislam prioritariamente em causa própria. Trata-se de uma desaprovação maciça, que expõe um abismo entre representantes e representados, entre a rotina parlamentar e a vida do povo. Em qualquer democracia madura, um dado como esse serviria como alerta máximo: um freio de arrumação, uma convocação ética. No Brasil, entretanto, parte dos parlamentares interpreta esse grito popular com a mais ruidosa indiferença.
Em vez de reformular práticas, restaurar pontes com a população e colocar a pauta pública no centro do debate, um partido político anuncia que pretende travar o funcionamento do Congresso para defender um único homem: Jair Bolsonaro. Como se os mais de 200 milhões de brasileiros que enfrentam as mais variadas e complexas mazelas de saúde, por exemplo, tivessem tempo de vida, ou estômago, para assistir a mais um teatro de guerra ideológica. É o ápice da alienação política: diante de uma sociedade que clama por políticas públicas urgentes, a resposta de alguns congressistas é parar o país por fidelidade a uma biografia política. Nada é mais simbólico da crise que vivemos do que essa decisão de sequestrar o parlamento para interesses próprios: exatamente o que a pesquisa denuncia.
O cenário reflete uma elite política que opera com lógica patrimonialista: confundem o Estado com suas trajetórias pessoais. A lógica do “quem manda aqui somos nós” desrespeita a função republicana do Congresso e mina os fundamentos da representação. A teoria democrática nos ensina que o Legislativo é o espaço de expressão da pluralidade nacional, e não o palco de um culto a lideranças específicas. Ao travar a máquina pública em torno de um único nome, esses parlamentares não apenas rasgam o pacto democrático, como reafirmam, com gestos concretos, a veracidade da crítica popular: trabalham por si mesmos.
O Brasil tem fome de reformas estruturantes, de propostas sérias, de agendas comprometidas com o coletivo. Travar o Congresso é impedir que o país avance, que os dramas reais encontrem eco nas leis. É declarar que o povo pode esperar, que a democracia pode esperar, que só um destino importa: o de quem detém capital político ou ameaça perdê-lo. É uma demonstração de força? Sim, mas da força bruta da desconexão, da surdez institucional, da arrogância de quem se acredita inalcançável.
A pesquisa do Datafolha é mais que um número: é uma sentença moral. E não se trata de antipolítica, mas de rejeição à má política. Quando 78% dos brasileiros dizem que o Legislativo serve apenas a si mesmo, e a resposta do Legislativo é se fechar em torno de um único nome, temos mais que uma crise de imagem. Temos uma crise de sentido. E um Congresso que perde o sentido, logo perde o país.
