O que leva mulheres a se oferecerem a homens perigosos em um país marcado por feminicídios e violências brutais?
O Brasil é um país de contrastes que por vezes beiram a insanidade coletiva. Enquanto cresce o número de mulheres assassinadas pelos próprios parceiros, uma a cada seis horas, segundo os últimos levantamentos, também cresce, em paralelo, o número de mulheres que voluntariamente se oferecem a homens notoriamente violentos. Recentemente, um homem acusado de espancar a ex-namorada com mais de 60 socos recebeu milhares de e-mails de admiradoras. Não é um episódio isolado. Há anos, o “Maníaco do Parque” também colecionou cartas de amor, pedidos de visitas íntimas e até propostas de casamento, mesmo após ter confessado estupros e assassinatos brutais.
Esse comportamento, que parece desafiar qualquer lógica racional, tem explicações que passam por questões psíquicas, sociológicas e até pela herança de um país moldado por relações complexas. Algumas dessas mulheres não buscam apenas o homem em si, mas o poder que ele simboliza. Elas são atraídas por uma fantasia de dominação, de redenção e, muitas vezes, de controle: estar ao lado do predador seria, paradoxalmente, uma forma de escapar de ser a próxima vítima. Trata-se de um mecanismo inconsciente que mistura desejo com medo e sublima a violência como sinônimo de força e segurança.
Na psicanálise, esse tipo de fixação já foi descrito como hibristofilia — a atração sexual por criminosos. Mas no Brasil, esse fenômeno parece encontrar terreno ainda mais fértil. Em uma sociedade onde a masculinidade ainda é medida pela capacidade de exercer poder sobre o outro, o homem violento pode ser erroneamente interpretado como viril, decidido, “homem de verdade”. A cultura do controle, do ciúme romantizado e do “quem ama cuida” se mistura com a construção patriarcal do afeto feminino: mulheres são ensinadas, desde cedo, a cuidar, redimir, curar — até mesmo monstros.
Esse desejo de “salvar” o agressor também se alimenta de outra ferida social: a carência afetiva. Para muitas dessas mulheres, o criminoso encarcerado se torna, ironicamente, um porto seguro. Estático, previsível, controlável. Há quem prefira a cela de um relacionamento com grades visíveis à instabilidade de um mundo afetivo onde a violência pode surgir sem aviso como, aliás, frequentemente acontece. Nessa lógica perversa, o cárcere é mais acolhedor que a liberdade.
É urgente compreender que esse fenômeno não se trata apenas de patologias individuais, mas de um sintoma coletivo. Um país que não oferece segurança emocional, nem justiça afetiva, nem estruturas igualitárias para as relações, permite que o medo se disfarce de paixão e que o terror seja confundido com amor. E enquanto isso, seguimos contabilizando corpos e silenciando gritos, não apenas das vítimas diretas da violência, mas também das que, cegas por um desejo de afeto distorcido, se jogam nos braços de seus próprios assassinos.
