A pílula do ego

‘Tadalafila’, a nova “latinha” do machismo soft

Parece energético, mas não é. Parece suplemento, mas também não é. Parece só um “upzinho”, mas é pura ansiedade disfarçada de virilidade. A nova febre dos bastidores masculinos atende pelo nome de Tadalafila, um medicamento originalmente prescrito para disfunção erétil, mas que agora vem sendo consumido como quem toma café antes da academia. Virou moda. A venda ilegal pipocou em grupos de WhatsApp, sacolas de barbearias, banheiros de balada. É a famosa machoterapia, em comprimidos. Um up químico no ego e, com sorte, em outras regiões.

Enquanto algumas moças se preocupam em passar primer no rosto, muitos rapazes estão tomando “primer no pênis”. Não confiam mais na própria potência, precisam terceirizar até a ereção. “É só pra garantir”, dizem. Garantir o quê? Que o corpo acompanhe a fanfic que o ego construiu? A obsessão pelo desempenho virou um novo tipo de ginástica química, e a cama, uma espécie de palco competitivo onde não há espaço pra vulnerabilidade, só pra performance de PowerPoint.

E o curioso, é que justamente a geração que se diz ‘desconstruída’, esteja metida até o pescoço em comprimidos de reafirmação fálica. Não querem parecer fracos, falhar, gozar antes do tempo. A masculinidade contemporânea está cada vez mais parecida com um aplicativo de produtividade: precisa render, não pode travar, tem que entregar; engajar, shareeeee! E o pênis virou planilha. A lógica é quase capitalista: se existe uma chance de dar errado, melhor já dopar o sistema.

Por trás da piada, há um sintoma. A cultura do “homem que nunca falha” continua viva, só que agora em cápsula. É um machismo em cápsulas gelatinosas, revestido de modernidade, vendido no sigilo, porque ainda há vergonha de admitir que o desejo também vacila, que o corpo é feito de afetos e ansiedades, não de engrenagens. A sociedade ensina que o homem precisa “dar conta” do trabalho, da mulher, da cama. Quando não dá, toma um comprimido. E torce pra ninguém notar.

Mas a verdade, meu amigo, é que tá todo mundo notando. Principalmente quando o “garanhão” da noite pede um copo d’água suado, ofegante, com o olho mais arregalado que o necessário. E aí mora a comédia: no descompasso entre o que se espera ser e o que se é. Resta rir, porque a virilidade vendida em caixinha é só mais um sintoma de um corpo tentando gritar o que a alma está sussurrando há tempos: relaxa, não precisa ser máquina. Até o desejo gosta de falhar às vezes.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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