Governador de Minas, que era contra ‘super salários’, justifica ao STF aumento de 300% no próprio salário como correção jurídica e inaugura a era da “austeridade constitucionalmente flexível”
Em Brasília, até o silêncio custa caro. Mas em Belo Horizonte, Romeu Zema foi além: fez da Constituição uma linha de crédito. Após triplicar o próprio salário, o governador mineiro recorreu ao Supremo Tribunal Federal com uma pérola argumentativa: o reajuste de 300% serve para “sanar uma inconstitucionalidade”. Isso mesmo. O salário era tão modesto que, segundo ele, estava ofendendo a Carta Magna.
Zema, que até ontem era o profeta da austeridade, agora se revela jurista de ocasião. Sua leitura constitucional parece ter sido feita com uma lupa importada da Suíça: só enxerga onde há vantagem. O que antes era “privilégio” em seus discursos em debates ao governo agora virou “correção legal”. E o discurso do estado mínimo foi substituído por um pleonasmo jurídico de dar inveja a qualquer advogado de empreiteira.
Com ar de quem está fazendo um grande sacrifício pessoal em nome da legalidade, Zema tenta emplacar a ideia de que não é ele quem quer o aumento: é a Constituição que exige. O salário, diz ele, estava “defasado” e abaixo do teto do funcionalismo estadual. Pobrezinho. Faltou também pedir um pix para complementar a renda. Era o liberalismo sem luxo.
Mas o que Zema não disse (porque não cabia no argumento) é que esse teto só virou problema depois que o próprio governo ajustou o piso do Judiciário às alturas. Ou seja: criou o problema, agora posa de bombeiro institucional. Se o teto subiu, a escada da moral pública deveria ter subido junto. Mas não: ela ficou onde estava, lá no porão da vergonha.
O STF, que às vezes gosta de bancar a consciência da República, foi convocado para homologar o reajuste gourmet do governador minimalista. Não se espante se, nos autos, aparecer jurisprudência extraída direto do cardápio de um bistrô neoliberal: “jus-caviar”, servido à la carte.
A verdade é que a única inconstitucionalidade aqui é um país onde o discurso de contenção é usado como trampolim para salto triplo carpado sobre o orçamento da bandeja de votos. Na prática, Zema pode até vencer no Supremo. Mas já perdeu no tribunal da coerência, onde a prática vai na contramão dos discursos de campanha, quando ainda não havia o gostinho do foro privilegiado nem do auxílio-paletó.
