O som que ninguém entende

Trombetas no céu, zumbidos iguais em continentes diferentes e ruídos sem fonte: o mundo está ouvindo alguma coisa, mas ninguém sabe o quê.

Era uma manhã comum em Kiev quando um som metálico, profundo, ecoou pelos céus como uma trombeta vinda do nada. Nenhuma sirene, nenhum evento público, nenhum exercício militar. Apenas um ruído que parecia atravessar a atmosfera, reverberando como uma advertência que ninguém sabia interpretar. Em vídeos que viralizaram em fóruns e redes sociais, moradores olhavam para o alto em silêncio, paralisados por um som sem origem. Kiev foi só mais um ponto em um mapa que cresce a cada ano: os sons misteriosos, que se espalham pelo planeta, tornam-se uma espécie de linguagem que ninguém compreende, mas todos parecem escutar.

Eles são chamados de “skyquakes” ou “sky trumpets”. Alguns descrevem como um zumbido subterrâneo; outros, como uma sinfonia grave, metálica, quase apocalíptica. Aparecem em lugares tão distintos quanto Canadá, Alemanha, Filipinas e até no interior do Brasil. Não vêm de aviões, nem de trovões, nem de fenômenos climáticos conhecidos. Cientistas tentam explicar: atividade sísmica? Movimentos tectônicos? Infrasom? Nenhuma teoria convence completamente, principalmente porque, na maioria das vezes, nenhum equipamento consegue registrar os sons com precisão. Apenas as pessoas.

Esse é um dos detalhes mais inquietantes: os sons são quase sempre captados pelo ouvido humano antes de qualquer sensor. Há quem jure que é prova de um colapso iminente, de algo espiritual, de uma presença, de uma rachadura no véu que separa o visível do invisível. Teóricos conspiratórios se alimentam da lacuna científica com teses que vão de experiências militares secretas à abertura de portais interdimensionais. Enquanto isso, comunidades inteiras compartilham registros em vídeos tremidos, áudios angustiantes e fóruns repletos de descrença e fascínio.

Há algo nisso tudo: um planeta exausto começa a emitir sons que ninguém sabe de onde vêm, ou para onde levam. Não é só a Terra que parece gritar. É o próprio silêncio que foi interrompido, como se algo que estava contido há séculos tivesse finalmente rompido a superfície. Esses sons provocam menos medo do que um tipo específico de inquietação: a sensação de que estamos ouvindo algo que ainda não deveríamos. Como se o mundo estivesse sussurrando uma mensagem antiga demais, ou futura demais, para ser compreendida agora.

É curioso que o som mais perturbador seja aquele que não conseguimos decifrar. Os “sons do céu” revelam uma falha no controle humano sobre o ambiente e talvez por isso incomodem tanto. Não sabemos quando voltam, se voltarão, ou o que exatamente querem nos dizer. Só sabemos que, por alguns segundos, o mundo para. E escuta.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

LEIA MAIS

Neymar voltou, mas não subiu do recreio quando sino tocou

O silêncio anda a pé

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *