Abrir a câmera vira abrir um vazio

Influenciadores que antes provocavam ou ao menos entretinham, agora entregam conteúdos tão ocos que mal sustentam o próprio eco. O caso de Kéfera é apenas um sintoma mais explícito desse embrutecimento geral

Alguma coisa se perdeu no caminho entre o “olá, meninas” e o silêncio desconfortável das ideias. Kéfera, que já foi nome relevante na formação digital de uma geração inteira, hoje aparece com vídeos sobre dietas de gelatina, desafetos com sobremesas virais e derrotas judiciais que, somadas, não sustentam nem a caricatura de um conteúdo. É como se o Wi-Fi estivesse ligado, o ring light aceso, mas não houvesse mais ninguém em casa. Só uma performance mecânica, sem roteiro, sem sentido, sem alma. O último: não aguentamos mais o morangos do amor. Besteira pura!

É claro que os tempos mudam, e que ninguém precisa viver para sempre do mesmo tipo de exposição. Mas o que chama atenção no caso de Kéfera, e de tantos outros nomes que surgiram com vigor e hoje mal se sustentam de pé no próprio feed, é o embrutecimento. Uma secura afetiva, criativa e intelectual que transformou o gesto de abrir a câmera em algo desconcertante. A pessoa aparece, fala, se defende, ironiza, polemiza… mas não diz absolutamente nada. O ar entra e sai, mas nenhuma ideia respira.

Antes, os influenciadores influenciavam, ou pelo menos movimentavam algum tipo de conversa. Hoje, muitos deles parecem tão esvaziados de referências, repertório e vivência que a sensação é a de ver um aplicativo conversando com outro. O “eu não aguento mais o morango do amor” vindo de Kéfera não é uma crítica estética, é um cansaço com o que é sensível, leve e minimamente humano. E isso, sim, é grave. Quando o amor cansa, o que sobra é a dureza da autoparódia.

É triste perceber que alguns dos que tinham em mãos a chance de amadurecer junto ao próprio público decidiram fazer o caminho contrário: encolheram, emburreceram, endureceram. Não há espaço para nuance, nem para vulnerabilidade, nem para pensamento. Só uma tentativa forçada de manter algum tipo de relevância performando escassez emocional em tempo real. A câmera abre, a pessoa fala, a gente escuta e sente um vento frio passando. E não é metáfora: é falta de conteúdo mesmo.

No fundo, o que se cobra não é genialidade constante, nem reinvenção milagrosa. É só presença. Verdadeira, falha, honesta, com alguma conexão com o mundo fora da própria bolha. O que temos visto, em vez disso, é um desfile de vaidades frágeis e opiniões de plástico, onde quem deveria provocar reflexão termina sendo lembrado apenas pelas falas vazias ou por perder processos em que o juiz ainda precisa ensinar o óbvio. Influenciar, definitivamente, não é mais o verbo certo.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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