Melancolia Pop: sentir não sai da moda

As pessoas estão tão exaustas, que continuam transformando a tristeza em linguagem. O topo das paradas sempre foi, é, e ainda será sobre o emocional

Vocês já perceberam que a melancolia nunca deixou de cantar? Depois de uma longa hegemonia de músicas dançantes, festivas, a tristeza reaparece como protagonista nas narrativas musicais que mais tocam os jovens de hoje, como foi na minha geração, embora com outros nomes. Hoje, Olivia Rodrigo, Billie Eilish, Lana Del Rey, Kali Uchis e Marina Sena são apenas alguns nomes de uma geração que não tem medo de colocar suas feridas no centro do palco, e que faz isso com um apuro estético que transforma o sofrimento em arte pop de altíssima potência. A música triste deixou de ser nicho alternativo: acho que nunca deixará de ser trilha sonora do presente.

Essa revalorização do afeto sombrio parece apontar para um deslocamento cultural mais profundo. Vivemos em uma era de precarização emocional, hiperconectividade ansiosa e promessas. Muitas promessas. Nesse cenário, a arte que ousa desacelerar e mergulhar na falta parece oferecer um abrigo simbólico. E sabe qual é o mais democrático, na minha opinião? O “pop triste”. Está em todas as classes sociais e não é um convite à depressão, mas à escuta. Ele recoloca a sensibilidade como centro de experiência, indo na contramão da positividade performática que tomou conta das redes sociais. Ouvimos essas músicas porque precisamos nos reconhecer em algo que não exija euforia constante.

O luto, o fracasso amoroso, a ansiedade e a desesperança passaram a ser tratados como temas legítimos na música, e não como fraquezas a serem escondidas. Foi uma das primeiras artes a abrir essa janela. Se é difícil falar, cante! É como Roland Barthes em ‘Fragmentos de um discurso amoroso’, a dor que se escreve, que se canta, que se nomeia, e que não some, mas se torna compartilhável. O “pop triste” está aí. Use com moderação.

Do ponto de vista psicanalítico, há também uma elaboração em curso. A tristeza cantada, repetida e transformada em som é uma forma de atravessar o afeto, e não apenas de habitá-lo. Freud já dizia que o trabalho do luto passa pela capacidade de simbolizar a perda, e nada simboliza com mais intensidade do que a arte. Ao fazer da dor matéria sonora, esses artistas não estão apenas lamentando: estão elaborando. Estão recusando o apagamento emocional que nos adoece, e oferecendo outras formas de existência possível.

O pop triste é, talvez, uma das expressões mais sofisticadas de uma juventude que decidiu não anestesiar seus abismos. Ele não celebra o sofrimento, mas tampouco o censura. Ao contrário: o reveste de beleza, de textura, de camadas. E, ao fazer isso, devolve ao mundo um tipo raro de coragem: a coragem de sentir, com todas as letras, mesmo que isso não renda refrões felizes nem coreografias virais. Na moral, há épocas em que a canção mais poderosa não é a que levanta o astral, mas a que nos permite cair com elegância.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

LEIA MAIS

Contra o tablet nas mãos dos apresentadores, só quem parou no tempo!

Em busca de sinais num mundo sem garantias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *