Ignorar os fatos, é adiar o inevitável: alguns parecem mais preocupados com as consequências políticas do que com o cumprimento da lei
A resposta é desconfortável e, por isso, raramente dita com todas as letras: o Supremo Tribunal Federal estava com medo. Medo das consequências políticas, medo da reação das Forças Armadas, medo de inflamar os já agitados bolsonaristas, medo de ser acusado de perseguição. Mas esse temor, ainda que disfarçado de prudência institucional, foi, na prática, um esvaziamento do próprio papel da Corte. O STF não foi feito para agradar, nem para medir consequências políticas de atos legais. Foi feito para aplicar a lei. E ponto. E neste caso, a omissão faz mais barulho do que qualquer deliberação. Se discussões que deveriam ser entre o Congresso e o Legislativo são judicializadas para o STF, se ele não julgar, ele prevarica.
Mas, voltando ao dia de hoje, é inevitável lembrar que, nos últimos anos, o entendimento sobre prisão preventiva foi alterado, flexibilizado e quase transformado em exceção absoluta. O novo Código Penal informal, não escrito, parece hoje ditado por uma espécie de doutrina do “deixa como está”. A Justiça passou a tratar investigados poderosos como se estivessem em uma delicada negociação diplomática, e não em meio a uma investigação penal. Quando um ex-presidente já convocou atos antidemocráticos, conspirou com militares e ameaçou frontalmente o Judiciário, o não uso da prisão preventiva é uma escolha política, e não jurídica.
O argumento da cautela jurídica não se sustenta diante de fatos. O uso da tornozeleira eletrônica, aliás, nunca impediu ninguém de fugir. Em um país onde se retira esse dispositivo como se abre um pacote de biscoitos, a aposta pode ser uma abdicação de responsabilidade que, por sinal, estava prestes a transformar o Supremo num espectador de luxo de sua própria paralisia.
É duro reconhecer, mas hoje o Brasil tem mais medo de se confrontar com o próprio passado do que disposição para enfrentá-lo. E, enquanto isso, a esperança de uma justiça igual para todos se desintegra aos olhos da sociedade. Enquanto o STF hesitava em agir diante do que é óbvio, ele normalizava o inaceitável. A história não nunca foi generosa com quem teve todos os instrumentos à disposição e escolheu outro caminho. E não será dessa vez.
