Foi como tirar o volante de um carro em movimento e achar que a velocidade é sinal de avanço
Nada grita mais “golpe institucionalizado” do que aprovar, no apagar das luzes, uma proposta que desmonta décadas de avanços ambientais sob a justificativa de “destravar o Brasil”. Com a chamada PEC da Devastação, votada na calada da madrugada como se a Constituição fosse um contrato de gaveta, o que se destrava, na verdade, é a porteira para a boiada passar sem esbarrar em fiscalização. Não há outro nome para isso senão um licenciamento automático que transforma áreas sensíveis, como biomas e reservas, em territórios sem lei, governados apenas pelo interesse mais predatório.
Quando o Estado abdica de seu papel de regulador para se tornar cúmplice da destruição, ele deixa de ser Estado: vira corretor de terras alheias, leiloando rios, florestas e modos de vida sob o pretexto da “celeridade”. O licenciamento ambiental não é um entrave, é um freio civilizatório. É o que impede que uma mineradora enterre um rio inteiro, ou pior, que mate uma cidade inteira, ou que uma construtora asfalte um berçário de espécies em nome de uma obra “estruturante”. A retirada desse instrumento, sem estudo, sem consulta, sem debate, é uma barbárie institucional. É como tirar o volante de um carro em movimento e achar que a velocidade é sinal de avanço.
Tratar o meio ambiente como obstáculo ao crescimento é uma visão rasteira, atrasada. E o licenciamento automático institucionaliza exatamente essa visão: a de que a natureza está à disposição, e que o Estado deve apenas carimbar e sair da frente. A pergunta que se impõe agora é: quem vai proteger o Brasil de quem diz estar construindo o Brasil? Porque enquanto as licenças forem concedidas automaticamente, as tragédias também serão automáticas, com deslizamentos, contaminações e populações inteiras soterradas pela pressa de empreender sem ouvir, sem estudar, sem medir.
Essa PEC, da forma como foi aprovada, é o contrário da democracia. Porque ela não respeita os pactos, não ouve os especialistas, não considera o direito das gerações futuras. O Brasil está sendo reescrito às pressas por quem deveria estar pensando o país, e não entregando seus pedaços como se fossem sobras. Mais uma vez chutaram a ciência. Que se saiba: não faltou aviso.
