Depois da traição, vem o terremoto antes da cura

O vídeo da mulher que escancarou as conversas do marido infiel virou manchete e retrato de uma dor silenciosa, que começa antes da mentira e continua depois da descoberta.

A cena é cinematográfica: no chão, dezenas de prints organizados como se fossem peças de um quebra-cabeça trágico. No centro, uma mulher ferida, mas firme, falando com a família do homem que a traiu, incluindo a própria irmã dele, que também falava mal dela. O vídeo viralizou, chocou e divertiu muita gente. Mas, por trás do viral, há algo muito mais sério: a dor crua de quem não foi apenas enganada, mas desmontada por dentro. Porque nenhuma traição é só sobre o ato. Ela é sobre tudo que vem antes e, principalmente, tudo que começa a vir durante, e também depois.

A traição costuma ser o último sintoma visível de uma relação que já estava doente. O problema é que a vítima, muitas vezes, só começa a juntar as peças quando o caos já se instalou. A falta de escuta, os silêncios estratégicos, os olhares vazios, os toques que foram se perdendo… Tudo isso já estava ali antes do print. Mas quando o print chega, ele traz consigo não só a confirmação, mas também a vergonha, o luto, a raiva, e o sentimento mais perigoso de todos: o de ter sido enganada por alguém em quem se confiava plenamente.

E o “depois” da traição é ainda mais perverso. Vêm os julgamentos: muitos deles feitos por quem já perdoou coisa pior. Vem a sensação de buraco no peito, de tempo perdido, de identidade despedaçada. Porque não é só o outro que some: é você mesma que se pergunta quem era naquela relação. O “depois” é o lugar da reconstrução, mas também da ferida aberta, onde cada lembrança feliz vira suspeita. E, nesse caso específico, o “depois” teve que acontecer em público, com o peso da exposição e a crueldade dos comentários.

O vídeo é só mais um entre tantos. A diferença é que ele escancarou o bastidor de um trauma que milhares de pessoas vivem em silêncio. E talvez seja por isso que tanta gente se identificou. Porque no fundo, toda traição nos coloca diante da mesma pergunta dolorosa: em que momento paramos de ser escolhidos? Aí entra a tal utilidade e fidelidade que você destinava ao próximo. E até que essa ferida seja tratada com verdade, dignidade e tempo, ela vai seguir latejando, muito depois da última mensagem lida.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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