Digão não discorda de ideias: ele despreza a vida de pessoas. E quando o deboche é sobre a morte, o covarde ri sozinho.
O Brasil está diante de um novo abismo ético. E desta vez, não é apenas ideológico, mas humano. Digão, ex-vocalista da banda Raimundos, debochou da morte trágica da brasileira Juliana Marins, que perdeu a vida na Indonésia durante uma trilha em um vulcão. E por quê? Porque, segundo boatos que circulam na internet, ela carregava um adesivo com os dizeres “Ele Não”, um símbolo de oposição a Jair Bolsonaro na mochila. Ao zombar disso, Digão escreveu em suas redes sociais: “Quando o mundo dá a volta, não adianta chorar e fingir surpresa… #ELESIM mandou o FODA-SE pra vocês .”A frase foi feita acompanhada da suposta foto da mochila da vítima. Uma frase que não apenas expõe a mediocridade do músico, mas rasga qualquer noção de empatia, humanidade ou civilidade.
Não se trata aqui de um deslize. Não é uma piada mal interpretada. É a revelação crua de um indivíduo que, diante da morte de uma jovem brasileira, optou por fazer esse tipo de provocação e, pior, gracejar politicamente com o cadáver ainda quente. Digão não discorda de ideias: ele despreza pessoas. Zombar de Juliana não é apenas um ato de covardia, mas de desumanização. Trata-se de uma mentalidade que perdeu qualquer senso de limite, que vê em cada adversário político não alguém com quem se debate, mas alguém cuja morte deve ser celebrada, como se a vida humana estivesse condicionada a um voto ou a uma opinião.
A morte de Juliana não é um evento político. É uma tragédia pessoal. E usar essa tragédia para marcar ponto ideológico é, no mínimo, sádico. É o retrato fiel de uma mente contaminada por uma guerra cultural tão burra quanto brutal. A frase de Digão não é apenas de mau gosto. É histórica em sua baixeza. Quando se faz piada com a morte de alguém pelo que ela talvez pensasse, não se está apenas emitindo opinião: está se confessando. E a confissão aqui é clara: a de um espírito falido, que se perdeu a tal ponto que já não reconhece a fronteira entre o discordar e o desejar o fim do outro.
Ao zombar da morte de Juliana, Digão não só se apequena: ele escancara a falência de uma geração que, ao vestir a armadura da política, pensa ter licença para a crueldade. Mas não é a política que o move. É o ressentimento. É a amargura. É a pequenez. Porque, no fundo, quem zomba de uma morte não está combatendo o inimigo: está revelando o vazio que habita dentro de si. É fácil zombar de quem não pode mais se defender. Difícil é olhar no espelho e admitir que sua voz, outrora aclamada por uma juventude rebelde, hoje ecoa como um grito patético de um homem que envelheceu mal, maldoso e irrelevante.
A história lembrará de Juliana como uma jovem aventureira, curiosa, viva. De Digão, talvez reste uma postagem imunda, enterrada em prints e na vergonha pública de um país que ainda sabe reconhecer quando um ser humano pisa fora de todos os limites. Zombar da morte de alguém é o tipo de gesto que não se apaga com um pedido de desculpas: ele gruda na pele. E que grude mesmo. Para que a vergonha não o deixe em paz. Para que, toda vez que subir num palco, se é que ainda há quem o chame, ele se lembre do que disse. E do que isso faz dele.
