Ser famoso e contra regulação das big techs pode ser tiro no pé

Marcão do Povo acusa “censura”, enquanto Celso Portiolli prova na prática, em seis processos, que só a lei pode protegê-lo

 

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de responsabilizar Big Techs por conteúdos falsos gerados por usuários tem dividido opiniões, principalmente entre pessoas públicas. Para aqueles que se opõem à nova regulação, como o apresentador Marcão do Povo, trata-se de “censura prévia e controle estatal da informação”. Mas a realidade mostra que, se você é uma figura pública, ignorar essa mudança pode significar um tiro no próprio pé. 

O caso de Celso Portiolli exemplifica bem esse paradoxo. Ele enfrenta uma verdadeira batalha judicial: são sete processos em curso há cinco anos para remover conteúdos falsos que usam sua imagem, desde golpes financeiros a pedidos de dinheiro via PIX usando sua voz, e a principal dificuldade tem sido responsabilizar as plataformas por não se considerarem responsáveis pelo que é postado por cada usuário. Após anos na Justiça, alguns conteúdos continuam no ar depois de três anos solidificando a impunidade digital, e pior, lesando continuamente Celso Portiolli, um dos apresentadores que concentra hoje o maior número de casos em razão da sua alta credibilidade no mercado.

Enquanto Marcão critica a regulação afirmando que ela seria uma forma de cercear a liberdade, Portiolli batalha para que a lei seja aplicada de forma concreta. Até então, para que o conteúdo falso fosse removido, a Justiça ficava refém de demoras para intimar até mesmo os autores dos posts; muitos deles nunca serão intimados, uma vez que os acessos são identificados por IPs que atuam fora do país. E as plataformas, sem qualquer responsabilização pelo aporte dos comerciais falsos em seu provedor, nem se quer eram obrigadas a remover o conteúdo. No final, ninguém identificado, e publicidades falsas que continuam arrecadando milhões com suas fraldes no ar.

O impacto é amplo: apresentadores de televisão e outras pessoas públicas são alvo privilegiado de fraudes e campanhas caluniosas, justamente porque possuem visibilidade e grande engajamento. Recentemente a imagem de Celso foi transformada, perfeitamente, em um vídeo falso pedindo doações para um vítima inexistente de leucemia, meio pelo qual foi arrecadado mais de R$ 200 mil pelos bandidos. Após tantos processos, e dificuldade para intimar os responsáveis a apresentarem uma defesa, você quer saber se os conteúdos foram removidos após anos? É melhor que você não saiba, pois as plataformas não sentiam-se obrigadas a tirar do ar, uma vez que não foram responsáveis por postá-las. A falta de responsabilização legal e efetividade das plataformas abre espaço para que golpes se espalhem e tirem proveito da reputação alheia sem consequências.

Portiolli segue recorrendo à Justiça, usando provas técnicas para tentar conter essas fraudes . Mas, segundo sua assessoria, “para cada golpe derrubado, surgem pelo menos outros 20, o que demonstra que depender apenas de ações individuais não basta: é preciso que as plataformas sejam envolvidas”, respondeu à época à coluna, quando procurado para um posicionamento sobre os processos.

A regulação do STF não é mais do que uma teoria, e sim um mecanismo efetivo de controle, proteção e responsabilização das plataformas, para que sejam obrigadas a removerem o conteúdo falso imediatamente, mesmo que os responsáveis não sejam intimados.

 

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

LEIA MAIS

Investiga, mas não prende: O Brasil sempre atrasado

A violência escondida no ‘humor’

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *