Não basta ser imparcial, é preciso parecer imparcial. Mas o juiz se tornou o centro do problema que deveria apenas julgar
A República não se sustenta apenas sobre decisões juridicamente válidas, mas sobre a percepção pública de imparcialidade. Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal concentra em suas mãos uma investigação sensível envolvendo um banco cercado por suspeições públicas amplamente noticiadas, a questão deixa de ser apenas processual e passa a ser essencialmente política e institucional. Não se trata de julgar pessoas, mas de analisar estruturas de poder, arranjos decisórios e seus efeitos sobre a credibilidade do sistema de Justiça.
Não adianta a gente disfarçar. O problema agora é a confiança. Democracias vivem de distanciamentos claros entre julgador e investigados. Quando surgem relatos jornalísticos de proximidade, encontros sociais ou deslocamentos compartilhados entre um magistrado e advogados ligados a partes interessadas em processos sob sua relatoria, mesmo que não haja ilegalidade comprovada, instala-se a “zona cinzenta”. A legitimidade de tudo sofre, me perdoe o termo, uma puta de uma erosão.
O instituto da suspeição não depende apenas da comprovação de favorecimento, mas da simples possibilidade razoável de comprometimento da imparcialidade. A lógica é clara: não basta ser imparcial, é preciso parecer imparcial. Quando uma investigação sensível vai para as mãos de alguém que, segundo reportagens amplamente difundidas, já teve relação de convivência privada com advogados ligados à parte interessada, a pergunta que a sociedade tem o direito de fazer é direta: por que não se declarar impedido para julgar o caso?
O sigilo imposto aos autos, por sua vez, amplia ainda mais a tensão democrática. O segredo, que deveria ser exceção rigorosa, passa a operar como regra em um caso de inegável interesse público. O sigilo absoluto, quando combinado com suspeitas públicas, não protege a Justiça: fragiliza-a, aprofunda a desconfiança social e gera a sensação de que a engrenagem do poder funciona longe dos nossos olhos, que pagam o salário de toda essa estrutura pública.
Não se trata aqui de acusar, condenar ou insinuar crimes. Trata-se de exercer o meu direito e dever de perguntar. A liberdade de imprensa existe exatamente para tensionar zonas de conforto do poder, especialmente quando esse poder é vitalício, concentrado e quase imune a controles externos. Em democracias maduras, o afastamento voluntário em situações de potencial conflito não é fraqueza, é gesto de grandeza institucional. Quando isso não ocorre, a pergunta deixa de ser jurídica e passa a ser nossa: a quem serve o silêncio?
