Quem carrega o peso do preconceito?

Por que, no Brasil, a experiência do preconceito é a do pobre e do preto, e nunca o contrário? É dever moral posicionar…

A narrativa que naturaliza a sensação de vulnerabilidade do rico diante do pobre precisa ser desconstruída desde sua premissa: o preconceito, na base, é um mecanismo de hierarquização social. Ele não nasce da exposição material de quem tem mais ou menos bens, mas de um repertório simbólico que define quem tem direito de existir com dignidade, visibilidade e acesso ao espaço público. Quando afirmamos que o preconceito real, e não ilusório, atinge apenas pobres e negros, estamos nomeando uma matriz histórica que combina escravidão, deslocamento social e políticas públicas excludentes para produzir uma vida de menor valor social.

O rico branco nunca saberá o que são olhares que criminalizam, protocolos institucionais que punem corpos periféricos com mais rigor, políticas urbanas que expulsam antes de integrar. Esses mecanismos não são meramente pessoais, achismos e opiniões, são estruturais. Enquanto o indivíduo abastado pode experimentar contrariedade social isolada, o pobre preto enfrenta um conjunto entrelaçado de barreiras, como acesso desigual à educação de qualidade, maior exposição à letalidade policial, discriminação no emprego e nos serviços. A desigualdade, nesse sentido, é um sistema que produz e reproduz preconceito em cadeia, transformando pobreza e cor em marcadores de perigo moral e social.

O preconceito funciona ainda como instrumento de manutenção de privilégios: ao deslocar o foco do debate para sentimentos de constrangimento ou incômodo de classes altas, legitima-se a omissão sobre reformas redistributivas e ações afirmativas. A fabricação do “medo do pobre”, por exemplo, narrativa que converte insegurança econômica em ameaça cultural, serve para desviar atenções e criminalizar a pobreza.

Vale observar o discurso de grupos dominantes. Como eles projetam sobre o pobre as próprias ansiedades sobre perda de status, legitimando comportamentos discriminatórios como reações naturais. Essa projeção esconde a história de predomínio e apropriação que permitiu a reprodução do privilégio.

Não dá pra tentar reverter a lógica perversa que transforma a miséria e a cor em justificativas para a negação de direitos. Não se trata de negar desconfortos ou tensões sociais, mas de apontar, com rigor intelectual, onde mora a verdade dos fatos: o preconceito que pesa é sobre quem menos tem! E é esse peso que chamamos de preconceito e dívida social.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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