O puxão de cabelo que deveria prender o Estado

A imagem de um policial militar arrastando uma mulher pelos cabelos no Brás é o retrato brutal de uma força pública que esqueceu o que significa proteger

O que vimos no vídeo divulgado nesta terça-feira (21/10) é inaceitável sob qualquer prisma ético, jurídico ou humano. Um policial militar de São Paulo, fardado e armado, puxa uma mulher pelos cabelos com tanta violência que a lança ao chão. Ela não estava armada. Não representava perigo. Segurava uma barraca de comércio popular. A cena é de uma covardia revoltante: a força do Estado usada para humilhar uma mulher trabalhadora.

Não há protocolo, operação ou justificativa legal que autorize transformar uma ação administrativa em espetáculo de brutalidade. O papel da Polícia Militar é garantir a segurança da população, não subjugar cidadãos indefesos. Quando um agente público age com tamanha truculência, ele não está apenas violando uma pessoa, está rasgando a própria ideia de civilidade que sustenta o contrato social. O poder que a farda concede não é licença para agredir, mas dever de conter-se.

A fala do PM (“Vai pra lá! Eu já falei pra ir pra lá!”) expõe algo ainda mais alarmante: a naturalização da violência como método de comunicação com o povo pobre. É o autoritarismo cotidiano que se revela em gestos automáticos, em tapas, empurrões, gritos. O mesmo autoritarismo que trata o trabalhador informal como inimigo, o morador de periferia como suspeito, o corpo da mulher como coisa. Não é disciplina. É desumanização e terrorismo brutal.

A justificativa oficial, como sempre, tenta deslocar a culpa: “houve resistência”. Que resistência justifica puxar e lançar ao chão uma mulher pelos cabelos? Nenhuma. Resistir à injustiça é direito. O que se vê é uma estrutura de poder que se recusa a ser questionada, que reage com violência quando o povo não se curva. A PM não pode continuar agindo como se estivesse acima da lei, e o silêncio institucional é cúmplice dessa barbárie.

O Estado precisa lembrar que cada ato de violência praticado por um agente público mancha a legitimidade de toda a corporação. Quem humilha uma mulher em via pública não está defendendo a ordem: está corrompendo-a. O vídeo do Brás não é apenas uma denúncia; é um espelho incômodo da nossa degradação moral. E diante disso, o mínimo que se espera é que esse policial seja afastado e responsabilizado. Porque, quando o Estado puxa uma mulher pelos cabelos e a lança ao chão, ele arrasta consigo a dignidade de todos nós.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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