É triste ver quando a identidade pessoal se confunde com a ilusão de um logotipo da empresa
É curioso observar como um simples crachá pode alterar o modo como alguém se percebe diante do mundo e do próximo. Não se trata apenas de um cartão de acesso, mas de um símbolo carregado de status, um pequeno emblema que, para muitos, torna-se extensão da própria pele. A partir do instante em que o sujeito pendura aquele retângulo de plástico no pescoço, já não é mais apenas ele: é também a empresa que o abriga, como se sua humanidade fosse diluída no logotipo que carrega.
Esse fenômeno não é novo. Ele remete ao antigo gesto da vaidade que se expressa na célebre frase “sabe com quem está falando?”, herança de uma sociedade profundamente hierárquica. O crachá corporativo é, em certa medida, a versão contemporânea desse mesmo recurso simbólico. Não é mais o sobrenome tradicional ou o cargo político que ergue muralhas sociais, mas a marca estampada num cordão, como se fosse possível transferir a grandeza de uma instituição para a própria identidade individual.
O problema é que, nesse processo, muitos perdem o senso de proporção. Passam a acreditar que o acesso a determinados espaços os torna melhores que os demais, como se o crachá fosse uma medalha de mérito existencial. A empresa, que deveria ser apenas um espaço de trabalho, até o pagamento no dia 30, vira uma extensão do eu. E assim, confundem função com essência, cargo com caráter, logotipo com identidade.
Há, no fundo dessa atitude, um desejo profundo de reconhecimento. O crachá, que deveria ser um passaporte temporário, é tratado como um brasão. Ele satisfaz carências invisíveis, cria a ilusão de pertencimento a um grupo seleto e, por isso, alimenta comparações sociais que beiram a arrogância. A lógica do “eu trabalho onde você nunca vai trabalhar” revela mais insegurança do que poder: é a tentativa de afirmar um valor próprio por meio de um objeto que, no fundo, pertence à empresa e não ao indivíduo.
Talvez seja hora de repensar essa relação. Porque o crachá cai quando o expediente termina, e, sem ele, resta apenas a pessoa diante de si mesma. E se a identidade depende tanto de um plástico com nome e logo, é sinal de que algo essencial se perdeu no caminho. A verdadeira grandeza não se pendura no pescoço: carrega-se no caráter, na forma de tratar os outros, na dignidade silenciosa que não precisa de logotipo para existir.
