Pela decisão de uma, duas, ou no máximo três pessoas, crianças perdem acesso à comida e morrem de fome. É extremamente difícil manter a sanidade quando se avança pessoalmente nesta reflexão.
É difícil repousar a cabeça no travesseiro sabendo que, em algum lugar, a noite não chega para todos. E nem mais o dia, e nem mais a tarde. Existe um lugar no mundo que nenhuma criança dorme mais embaladas pela turbulência da rotina da guerra. Há crianças que jamais conhecerão o conforto de um sonho. Mesmo dormindo. O estrondo que lhes desperta, da morte que insiste em gritar.
Tudo acontece porque alguém, sentado em uma cadeira de poder, decide que o destino de milhares de pequenos pode ser reduzido a fome. Uma caneta, uma ordem, um gesto burocrático, e a vida infantil, tão frágil, torna-se descartável. O horror, então, não é o caos em si, mas a frieza de sua fabricação.
Essas crianças não morrem apenas. Elas são condenadas a viver com a fome tatuada no corpo, mesmo quando sobrevivem ao caixão. Para sempre terão a angústia marcada nos ossos, a perda cravada na alma. Quem sobrevive carrega o peso de uma infância sequestrada, de um riso amputado, de uma memória que, em vez de brinquedos e canções, é povoada por sirenes, filas e silêncios ensurdecedores.
É insuportável pensar que o futuro está sendo soterrado em tempo real. E que milhões de adultos, testemunhas distantes, continuam a seguir seus dias como se a vida não tivesse se tornado um cemitério aberto de inocência. Tentei avançar ontem com essa reflexão antes de dormir. Não dormi. Melhor: dormi, mas não se descansei; nem me atrevi a sonhar, pelo angustiante incômodo de saber que outros jamais poderão sonhar.
A crueldade não está apenas na morte em massa dessas mulheres e crianças, mas na naturalização da barbárie. Permitir que a infância seja sacrificada por conveniência política é uma traição ao que há de mais elementar em nós, na humanidade: a capacidade de reconhecer o outro como humano. E, enquanto fechamos os olhos, continuamos cúmplices de um mundo que se recusa a acolher a dor de crianças sozinhas, em desespero.
