É difícil parar, pensar, e depois conseguir dormir

Pela decisão de uma, duas, ou no máximo três pessoas, crianças perdem acesso à comida e morrem de fome. É extremamente difícil manter a sanidade quando se avança pessoalmente nesta reflexão.

É difícil repousar a cabeça no travesseiro sabendo que, em algum lugar, a noite não chega para todos. E nem mais o dia, e nem mais a tarde. Existe um lugar no mundo que nenhuma criança dorme mais embaladas pela turbulência da rotina da guerra. Há crianças que jamais conhecerão o conforto de um sonho. Mesmo dormindo. O estrondo que lhes desperta, da morte que insiste em gritar.

Tudo acontece porque alguém, sentado em uma cadeira de poder, decide que o destino de milhares de pequenos pode ser reduzido a fome. Uma caneta, uma ordem, um gesto burocrático, e a vida infantil, tão frágil, torna-se descartável. O horror, então, não é o caos em si, mas a frieza de sua fabricação.

Essas crianças não morrem apenas. Elas são condenadas a viver com a fome tatuada no corpo, mesmo quando sobrevivem ao caixão. Para sempre terão a angústia marcada nos ossos, a perda cravada na alma. Quem sobrevive carrega o peso de uma infância sequestrada, de um riso amputado, de uma memória que, em vez de brinquedos e canções, é povoada por sirenes, filas e silêncios ensurdecedores.

É insuportável pensar que o futuro está sendo soterrado em tempo real. E que milhões de adultos, testemunhas distantes, continuam a seguir seus dias como se a vida não tivesse se tornado um cemitério aberto de inocência. Tentei avançar ontem com essa reflexão antes de dormir. Não dormi. Melhor: dormi, mas não se descansei; nem me atrevi a sonhar, pelo angustiante incômodo de saber que outros jamais poderão sonhar.

A crueldade não está apenas na morte em massa dessas mulheres e crianças, mas na naturalização da barbárie. Permitir que a infância seja sacrificada por conveniência política é uma traição ao que há de mais elementar em nós, na humanidade: a capacidade de reconhecer o outro como humano. E, enquanto fechamos os olhos, continuamos cúmplices de um mundo que se recusa a acolher a dor de crianças sozinhas, em desespero.

Alessandro Lo-Bianco

Fui repórter da Editora Abril, O Dia, Jornal O Globo, Rádio CBN e produtor executivo dos telejornais da Record. Estou ao vivo na RedeTV!, como colunista de TV do programa “A Tarde é Sua”, com Sônia Abrão. Também sou colunista do portal IG (lobianco.ig.com.br). Tenho 11 livros publicados e 17 prêmios de Jornalismo.

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